sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ardil


Nunca duvidei daquela máxima que diz que não importa o que exatamente você fala, mas sim, a maneira que o faz. Acho que é uma coisa extremamente clara e sensata, embora, na maioria dos casos, eu não consiga me portar devidamente, acabo sempre por falar as coisas mais bobas da pior maneira possível, fazendo tempestades em míseros copos de cafezinho. Creiam vocês, não sei como adquiri características tão distintas da minha mãe. Estava hoje falando com algumas pessoas sobre carma, sem querer utilizar o termo/conceito como uma justificativa pras coisas que acontecem e sem tratá-lo como um sinônimo pra destino - talvez exista alguma ligação.  As nossas relações são marcadas por uma grande porção de carmas, relações familiares, sobretudo. A minha família e eu, em especial, temos um motivo muito forte pra potencializarmos essa característica, me permitiria usar a palavra destino sem recear estar fazendo apelos místicos. Lamento que nenhum de vocês saiba ou saberá do que trato aqui, só lhes digo que é impossível olhar pra minha família e não pensar a respeito do porquê de estarmos juntos.

Minha mãe não é brasileira, ela nasceu na cidade de Vigo na Galícia – Espanha. Nunca conversei com ela sobre seu processo de aquisição do português, e ainda assim poderia afirmar que ela não tenha tido muitas dificuldades, minha mãe lê com muita voracidade e tem uma gama enorme de conhecimentos lexicais - o que me prejudicou um pouco na infância porque não havia uma só palavra que eu perguntasse e ela não soubesse me dizer exatamente o que aquilo queria dizer, isso provocou a ausência do dicionário nas minhas primeiras leituras e uma posterior falta de interesse em consultá-lo, bastava minha mãe estar por perto, e ela sempre estava. Mas aconteceu de hoje eu ser viciada em dicionários, procuro até o significado das palavras conhecidas.  

O fato é que minha mãe sempre chama as pessoas de cretinas, isso causava um pouco de constrangimento pra mim quando ela soltava um “seu cretino” pra um amigo meu que ainda era seu desconhecido.  Mas, depois de um tempo, isso se tornou a coisa mais encantadora que eu poderia encontrar em uma pessoa, me orgulhava poder - depois da crise de risos que os “cretinos” que minha mãe falava causavam nas pessoas que não conheciam esse seu hábito – explicar que esse era um costume de minha mãe e que não era nada pessoal, precisamente. Ela fala cretino em situações específicas, é claro, mas mesmo que falasse em situações aleatórias, continuaria sendo uma peculiaridade sua.

Talvez, ela esteja sendo apenas, de maneira astuciosa, em sua grande naturalidade diante da vida, debochada em relação a nossa mania cansativa de vivermos dissimulando a nossa cretinice diante de todas as coisas.

3 comentários:

  1. O segundo parágrafo lembra muito a prosa de Felisberto Hernández, e me pareceu tão poderoso quanto.

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  2. Eu ja tive o prazer de ser chamada de cretina por Luisa. Todo mundo é cretino mesmo, né, Luisa?

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Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão.
Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa




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