sábado, 2 de outubro de 2010

Espinhos


Não diria que é exatamente uma mania. Chamaria isto de bom gosto e até mesmo de uma elevação de espírito resultante em uma sensibilidade aflorada. Você gostar de flores, conseguir se encantar com elas, se entreter com as surpresas do reino vegetal: minha mãe. Minha mãe considera que as flores e todas as plantas aqui de casa são como membros da família, ao passo que quando nos mudamos da Kalilândia para o centro da cidade – minha mãe já tinha trinta anos naquele mesmo endereço – aquela fauna gigantesca nos acompanhou, nossa antiga casa era muito grande, afinal. 

Mamãe sempre ocupava (e ainda ocupa) todos os espaços com plantas, sobretudo as naturais, havia ainda umas artificiais espalhadas pelos cômodos, nas janelas e corredores. O desafio era fazer com que todos aqueles seres vegetais dessem dentro de um apartamento. Eu e Luisa moramos num lugar confortável, grande pros moldes do que se vem produzindo hoje na arquitetura da cidade quando falamos em prédios, em tempos de coisas tão compactas, temos o privilégio de morar em um lugar ordenado verticalmente mas com um certo espaço, de modo que quase todas as plantas vieram conosco na mudança. Infelizmente, havia uma escultura ornada com flores muito bonita na nossa antiga casa que teve de ser passada adiante, mamãe deu pra alguém.

O domingo será pra sempre o nosso dia, o dia meu e de minha mãe, é quando ocorrem os nossos maiores encontros, as nossas maiores comunhões, deve ser por isso que sempre achei que acertaram quando, por alguma razão, deram um domingo do ano como o dia das mães. Numa dessas manhãs de domingo minha mãe me chamou até a sala, prontamente a atendi.

 – Oi, mãe. Estou aqui. 
– Olha essa planta aqui. Parece que não vai brotar nunca uma flor nela.

Quando meus olhos pousaram sobre o vaso que ela indicava com o dedo, pude perceber que havia alguma coisa errada de fato.

-Mãe, esta flor é de plástico.


*


E é por isso também que me emociona tanto o verso “ser mãe é desdobrar fibra por fibra os corações dos filhos”, porque a palavra fibra conota sempre algo de natural, de vegetal. E penso em minha mãe que com tanto afinco cuida de mim, desdobrando, abrindo, desvendando, sempre, fibra por fibra.


2 comentários:

  1. sua mãe agora tem novos olhos. agora, também, ela tem os olhos teus. e é uma emoção incomunicável ler e compreender isso.

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  2. Saudade das inumeras samambaias, avencas e alfinetes da minha mãe..

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Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão.
Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa




*