segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Esquecer



CANTIGA PARA NÃO MORRER
Ferreira Gullar

Quando você for se embora,/moça branca como a neve,/me leve.
Se acaso você não possa/me carregar pela mão,/menina branca de neve,/me leve no coração.
Se no coração não possa/por acaso me levar,/moça de sonho e de neve,/me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa/por tanta coisa que leve/já viva em seu pensamento,/menina branca de neve,/me leve no esquecimento.

A memória é uma coisa que engana a gente. Aos 24, já não tenho tão próximas a mim as memórias de há dez anos atrás. Embora ainda consiga me lembrar do dia em que eu, lá pelos sete , brincava com os vestidos de Luisa, no meio das portas abertas do seu guarda-roupa. Minha irmã orientava mamãe como ainda faz até hoje, <<mãe, essa menina vai crescer sem aprender as cores. já está na hora dela saber os nomes das cores>>. Parece irreal e se eu questionar a minha irmã hoje sobre esse episódio, a resposta será a mesma de sempre  <<isso nunca aconteceu. você está doida, risos>>. A memória é uma coisa que engana a gente. 


Minha mãe completa 80 anos esse ano. 80 anos de glória e mistério. Nunca ninguém entenderá como Luisa pode ser uma pessoa tão boa, acho que nem ela mesma. Há muito tempo, rola um papo de que ser muito bom é um defeito (por isso o evangelho traz a moral de Jesus como uma moral estranha) - as personagens de novela repetem isso, <<se você voltar apanhado pra casa, você vai apanhar de novo>>, as pessoas se sentem ofendidas consigo mesmas por se deixarem ser enganadas. Nesse ponto, minha mãe é verdadeiramente cristã, e me ensinou isso. Dê a outra face, não discuta, não brigue, se brigarem com você, cale-se que passa, se  ofenderem você, cale-se que passa. Se chorar, beba a lágrima way of life.  


No último amigo secreto da família, eu decidi não participar. Sem maiores explicações. A pessoa que tirou Luisa surpreendeu a todos. Na verdade, não sei se a todos, surpreendeu a mim. Surpreendeu-me, <<existiram reis que preferiram ser temidos do que amados. mas essa pessoa quebra essa lógica, ela prefere ser amada do que temida>>. Minha mãe é assim. E quando, ontem mesmo, me aconselharam <<crie laços, invente pontos de afinidade, mesmo que seja mentira>>, eu lembrei dela. 

A memória de Luisa sempre foi sua amiga. Mesmo sabendo que, agora, aos quase 80, a memória continua sendo uma ilha de edição, mas, inevitavelmente, aos 80, o editor não somos nós. 

Um comentário:

  1. Obrigada, Loly. Tudo on que você fotografa e escreve me acrescenta muito. e sua semsibilidade me comove. Estava com umas idéias na cabeça sobre memória e escrita. Acho que vou escrever agora.

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Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão.
Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa




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